A realidade sempre nos desafia a procurar alternativas, novos caminhos, também como Igreja. Nestes últimos dias, a humanidade foi forçada a encontrar soluções que alguns anos atrás nem imaginava. Hoje, e cada vez mais, essa realidade está sendo imposta com mais clareza.
A mesma pergunta surge na Igreja, cada vez mais claramente. A evangelização pelo mundo virtual, especialmente nas redes sociais, é um instrumento no qual participam cada vez mais padres e freiras, mas também mais pessoas, principalmente as mais jovens, profundamente marcadas por tudo o que aparece na tela. Sem julgar as vantagens e desvantagens, isso é algo que existe e que não pode nos deixar indiferentes.
Nestes dias, e se nada mudar, será até 23 de abril, de acordo com o decreto do arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Ulrich Steiner, estou celebrando missa em minha casa, como tantos outros padres em todo o mundo. Objetivamente, faço isso sozinho, mas, na realidade, faço-o com um grupo de pessoas que participam comigo neste momento, a quem me sinto profundamente unido, cujos rostos, sem vê-los, passam pela minha mente quando oro junto com eles.
Apoio as palavras do Dom Leonardo Steiner, em uma entrevista que publicamos na última sexta-feira: “quão bom seria se pudéssemos ir aos irmãos e irmãs, às famílias e comunidades. É preciso um esforço para ficar em casa e encontrar outras maneiras de estar presente”. Ele reconheceu e apreciou que “padres, religiosos e religiosas, realizaram uma verdadeira missão através da mídia junto com o povo”. Eu sei que existem outros bispos que se manifestaram contra essas atitudes, eu os respeito, mas digo claramente que não quero justificar nada, nem meu sacerdócio, que me conhece sabe o que sou e o que faço, antes, agora e, se Deus quiser , no futuro.
E não falo apenas por mim mesmo e sim pela maioria dos que estão fazendo o que podem para estar presentes nos dias de hoje, também para rezar e celebrar missas nas redes sociais, com suas comunidades, com seu povo, que continuam a se sentir acompanhados por aqueles que agora eles são e continuam sendo seus sacerdotes, seus párocos. Outro dia, um padre de uma paróquia do interior disse que estava empolgado ao ver como os anciãos de suas paróquias estavam abrindo contas no Facebook para poder participar das missas de sua paróquia, para onde vão todos os domingos, mas que hoje eles entendem que as coisas precisam ser diferentes. Estamos todos confinados por respeito aos outros, porque não queremos infectar aqueles que fizeram o que tinham que fazer, ficar em casa.
Portanto, seguindo as palavras do arcebispo de Manaus, “estamos juntos; é um tempo de comunhão, não de separação; um tempo de fraternidade, não de dispersão; um tempo de carinho, de samaritanidade. Pelas notícias que recebemos, as famílias estão orando juntas, lendo a Palavra de Deus juntas. E nós, como pastores, ajudamos as pessoas a acreditarem que o isolamento temporário ajuda a impedir a propagação do vírus. Estamos oferecendo nossa contribuição para que possamos ter nossos idosos e as pessoas mais frágeis em nosso meio por mais tempo”. Não podemos fazer o mesmo que aqueles que “desafiam a inteligência humana e o bom senso”, algo que estamos sofrendo no Brasil com um presidente que continua rindo do coronavírus e ordena que as Igrejas sejam abertas como um bem essencial. Um exemplo claro de alguém que se tornou um lacaio inescrupuloso de uma economia que mata.
Eu celebro todos os dias com pessoas que estão no Brasil, na Espanha e em outros países do mundo, alguns pessoalmente conhecidos, outros que podemos chamar de “amigos virtuais”. Muitos já me agradeceram expressamente por poder participar desses momentos, mas também os agradeço pelo fato de não celebrar sozinho, sentir a presença espiritual daqueles à distância e determinado pelas circunstâncias especiais pelas quais a humanidade passa, sinto-os ao meu lado.
Quantas pessoas estão alimentando seu espírito por meio de novas tecnologias hoje em dia, quantas pessoas estão sentindo a presença de Deus em suas vidas, quantas pessoas estão sendo ajudadas a resistir. É verdade que existem outros, na verdade são poucos, que se sentem abandonados e até levantam bandeiras de desobediência civil, também contra os bispos, que consideram homens de pouca fé. Da minha parte, são pessoas sobre as quais não posso fazer muitos comentários positivos.
Hoje em dia, vemos pessoas orando de joelhos diante de uma tela onde o Santíssimo Sacramento está exposto, aqueles que rezam o rosário com pessoas com quem costumam rezar em suas paróquias e comunidades, grupos de reflexão que se encontram através da mídia virtual, catequese com crianças, jovens, adultos que ainda são realizadas. É o novo rosto de uma Igreja que se tornou virtual, não sabemos se temporariamente ou para sempre.
Na semana passada, uma amiga perdeu seus pais, ela era catequista em uma paróquia onde eu trabalhei; seus pais eram pessoas que participavam ativamente da comunidade paroquial. Sei que muitas pessoas estiveram ao seu lado neste momento e que ela se sentiu apoiada. Enviei uma mensagem para ela, não era minha, mas de um daqueles padres que estão tentando acompanhar as pessoas no momento, ela falava sobre fé em Deus nos tempos do coronavírus. Sua resposta é mais que suficiente para continuar acompanhando, orando, celebrando, mesmo virtualmente. Ela me disse: “Obrigado … Tenho certeza que isso não é um castigo de Deus, eu acredito que Ele tem um destino para nós e, no caso de meus pais, Ele os queria ao seu lado neste momento. Ele queria que eles chegassem juntos para que meu pai, mais uma vez, pegasse minha mãe pela mão e a guiasse a Deus sem tropeçar e seguindo um caminho reto, como sempre fez meu pai com ela”.
Na sexta-feira, a humanidade participou de um momento que pode ser considerado histórico. Em seu perfil em uma rede social, um padre escreveu sob uma foto em que apenas o Papa Francisco aparecia: “Eu nunca vi a Praça de São Pedro tão cheia”. Concordo plenamente com ele, porque, como tantos homens e mulheres em todo o mundo, senti-me ali, então fiquei diante de Deus e com Francisco implorei que ele não nos abandonasse à mercê da tempestade. Uma humanidade que à distância física quis se unir em uma oração de súplica ao Deus da Misericórdia.
É hora de não ter medo de procurar soluções, não ter medo e ser corajoso para chegar nas pessoas. É algo que a gente está vivendo, com sentimentos confusos, de tristeza e esperança, mas sempre procurando como resolver situações, muitas vezes próxima da gente. Várias pessoas que a gente conhecia já morreram, outras estão doentes, incluindo algumas que lutam entre a vida e a morte. E isso é difícil de viver e assumir, especialmente desde uma distância física tão grande.
Mas também precisamos encontrar maneiras de celebrar eventos nos quais só podemos agradecer a Deus. Durante muito tempo pensei em como celebrar as Bodas de Ouro de meus pais. Tudo estava preparado, mas o homem propõe e Deus dispõe. Isso não pode nos impedir de procurar novas possibilidades de agradecer juntos. Não houve festa, mas houve celebração à distância, mas unidos. 29 de março de 1970, domingo de Páscoa, eles decidiram iniciar uma família, em um dia em que é comemorado que a vida triunfa sobre morte e que, portanto, se tivermos fé, devemos apostar na vida e ser testemunhas disso para uma humanidade que chora, embora as circunstâncias nos forçam a fazê-lo virtualmente.